Cont. do mês de Junho
Numa sociedade cujas classes populares eram sujeitas a pesados impostos, tributos e encargos, não eram de somenos importância estes privilégios, que concediam aos caseiro, lavradores e moradores nas terras e coutos da Colegiada numerosas e significativas isenções. Assim, estavam aqueles isentos, entre outros, dos arranjos dos caminhos, do pagamento de peitas, fintas e talhas, e sobretudo de servir no concelho. A que acresciam outras regalias, como a dos bois, cavalgaduras, pão, vinho e palha dos lavradores não poderem ser tomadas pelos senhores, assim, como os seus filhos ou filhas não poderem ser tomados para servidão de pessoas. Mais ainda, a isenção da guerra, os filhos dos lavradores não poderiam ser alistados no exército ou na armada, podendo até ser dispensados de irem aos alardos das Ordenanças. Nos primeiros anos do século XVIII foram ainda estes privilégios ampliados por D. João V, que os isenta de todos os tributos sólitos e insólitos, em que se compreendiam as décimas não só a respeito das fazendas foreiras àquela Igreja, mas todas as mais que por qualquer título pertencessem aos privilegiados.
Em 1455, o rei D. Afonso V mandou inquirir quantos e quais os caseiros e servidores desta Igreja que eram abrangidos por estes privilegio. O dito monarca confirmou estão os respectivos privilégios, ficando esta relação e confirmações a constar de um livro próprio, com folhas de pergaminho e cobertas de couro vermelho, guardado no arquivo do Colegiado, e de uma correspondente lista ou tábua guardada na Câmara da Vila de Guimarães. Ficam estes beneficiários, a partir de então, a ser designados como privilegiados das tábuas vermelhas6.
Com o argumento de que, naquela data, o Couto de Codeçoso ainda não integrava as propriedades da Colegiada e, por isso, não consta do rol mencionado atrás, modernamente há historiadores que colocam em dúvida a qualidade de privilégio das tábuas vermelhas do Couto de Codessoso.7 pela minha parte, que conheço as versões de três autores setecentistas que afirmam o contrário e que mencionarei oportunamente, afirmo, até que me provem em contrário, que o Couto de Codeçoso era detentor desse privilégio.
Eram passados cerca de vinte anos sobre a tomada de posse do Couto de Codeçoso pela Colegiada, quando o donatário de Celorico de Basto, Pero da Cunha Coutinho, fidalgo de alta estirpe que integrava o Conselho do Rei, sobrinho-neto de D. Nuno Álvares Pereira e filho daquele Fernão Coutinho que Celorico criou um couto de homiziados, pretendeu incluí-lo dos seus domínios, que lhe respeitando as imunidades e privilégios. Então, o Cabido da Insigne e Real Colegiada da Nossa Senhora de Oliveira moveu-lhe uma demanda perante o Corregedor da Comarca de Entre-Douro-Minho, tendo os Desembargadores proferido sentença, em Guimarães a 1 de Março de 1499, contra o dito Pero Coutinho e a favor do Cabido, para que mantivesse e conservasse a jurisdição civil no dito couto, que era reconhecido, julgado e confirmado por sentença ou alvarás de D. Afonso IV em 1326, de D. Fernando em 1369, de D. Duarte em 1434 e de D. Afonso V em 1455. Sete meses depois, em cumprimento de referida sentença, o meio cónego Lopo Fernandes, como procurador do Cabido da Colegiada, veio tomar posse do couto e da sua jurisdição, logo dando posse e juramento ao juiz e porteiro, na presença do escrivão João de Queiroz, tabelião do julgado de Celorico de basto, representando o réu Pero Coutinho, que secretariou igualmente o acto.8
Das isenções de encargos públicos concedidas aos privilegiados das tábuas vermelhas mencionadas mais atrás, não referi propositadamente o do corte e carreto de madeiras, porque pretendia aqui relatar um episodio, o qual de algum modo abona a minha tese de que o Couto de Codeçoso era beneficiado dos ditos privilégios. Nos finais da primeira metade do século XVII, em data em que não posso agora precisar, [o Cabido interviera a favor da soltura de Domingos Francisco Amador e Afonso José Pereira, presos por ordem do corregedor da comarca, “porquanto em conservação dos seus privilégios” tinham procurado embargar “que se não cortase madeira no dito couto de codesozo he Aboim pêra as galleas de sua magestade” (sic), fundados em que eram caseiros da Colegiada, beneficiando desta isenção irrevogavelmente desde D. João I. O Cabido obtiveram então despacho favorável da Relação do Porto mandando “restituir os paos que estavam cortados”, considerando que era “muito justo” que se conservassem os privilégios concedidos à Igreja Colegiada de Guimarães]. 9
Antes da paróquia
No ano de 1527 realizou-se o primeiro “numeramento” da população, mandado fazer por D. João III, em carta de 17 de Julho, aos corregedores das seis comarcas em que se dividia o reino. Do elenco dos moradores das freguesias de Entre-Douro-Minho, o que nele se contém relativamente a Codeçoso limita-se a indicar que pertence ao concelho de Celorico de Basto e a mencionar os seus trintas moradores.10
Aqui moradores deve entender-se como fogos e, na minha opinião, no número indicado estão incluídos os de Aboim.
Do período que antecede imediatamente a formação da paróquia, na segunda metade do século XVI, possuo a transcrição dos vários relatórios relativos a Visitações de Codeçoso. Recorde-se que o Concílio de Trento (1445-63) ordenou que os bispos visitassem, ou fizessem visitar por um seu representante, os lugares das respectivas dioceses. A estas visitas pastorais dá-se o nome de Visitações e delas resultaram abundantes relatórios que fornecem dados muito úteis sobre o estado das igrejas, as suas obras de arte e alfaias, os seus bens fundiários, a vida social e espiritual das populações.
A primeira Visitação de Santo André de Codeçoso que conheço foi feita, em 1550, pelo licenciado Padre André Ferreira, bacharel, desembargador e visitador do Arcebispo de Braga D. Frei Baltasar Limpo (1550-58). Este, que na mesma data também visitara Telões e Aboim, escreve que a capela de Codeçoso está afastada do Mosteiro de Telões mais de duas léguas de cerros, de muito mau caminho fragoso e obrigado à travessia de ribeiros. Tem onze freguesias e rende dez ou onze reis e os ditos fregueses não tem missa senão de dois em dois meses ou aquelas que mandam celebrar. Por essa razão não ouvem missa e são mal paroquiados pelo facto do pároco do Mosteiro viver muito longe. Encontrou a capela de todo derrubada e desbaratada e, não obstante estar assim degradada, continuavam os fregueses a nela receber os sacramentos.
Em consequência do que acima é descrito, o Visitador ordenou ao Cabido da Colegiada que lhes desse um Capelão para aí celebrar missa todos os domingos, festas principais e dia do padroeiro, o qual doutrinaria os fregueses e os obrigaria a vir à capela, celebrando aí missa. Relativamente à nomeação de um pároco (Cura), ordenou que se fizesse como já dispusera para S. Pedro de Aboim, isto é, que o Cabido nomeasse um Cura para ambas as freguesias, a fim de ministrar os eclesiásticos sacramentos aos respectivos fregueses, o qual residiria numa delas, e na outra celebrar-se-iam as missas pelo supracitado Capelão. O Visitador ordenaria também que fossem feitas amplas e profundas obras de restauro, assim como ordenaria que a corte e a parreira situada junto da porta da dita capela fosse dali retirada, “p.a q não se faça cural aporta dela”.11
Texto: Raul Lopes
Nota: continua para o próximo mês
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