Continuação do mês anterior
Rezas e cânticos à virgem da Serra de Codeçoso
À conversa com a “vidente”
Contrastando com o tom ameaçador de indivíduo de pés descalços que referimos, Maria Celeste Ferreira amavelmente acedeu a falar com os repórteres do “Jornal da Terra”, justificando-se com o velho aforismo que “quem não deve não teme” e afirmando que o único propósito que a move é “fortalecer e propagar o culto e a devoção a Nossa Senhora do Rosário”.
Da resposta à nossa interrogação quanto ao motivo porque aquela «peregrinação», desde há quatro anos, sempre se realiza mo primeiro domingo de cada mês, desde que precedido de um sábado do mesmo mês, entendemos que tal se deve a uma tradição pratica relativa ao culto mariano de Fátima, a chamada “devoção dos primeiros sábados”, que, conforme refere a nossa interlocutora, aqui se realiza ao domingo por razões de ordem pratica, mas sem perder o seu valor e efeitos.
Questionada também sobre o que motivou a escolha daquele lugar isolado na serra de Codeçoso para tais praticas religiosas, mencionava que ali bem próximo, no Ribeiral – significativamente designado
Por si como «Cova do Ribeiral», numa evidente analogia com o outro lugar de Fátima – há cerca de cinquenta anos, ela e a sua irmã Maria Dulce, viram Nossa Senhora. Da alegada aparição faz-nos um relato que, salvo algumas questões de pormenor, é do domínio publico da nossa região.
Diz-nos que, entre os 9 e os 10 anos de idade, “ainda antes de fazer a primeira comunhão”, morando com a sua família num lugar isolado chamado Fiães de Cima, era frequente deslocar-se à serra para pastorear um rebanho de ovelhas. Menina pobre sem brinquedos, de casca de pinheiro moldava os seus (quando ali havia pinheiros, antes de serem substituídos pelos eucaliptos dizemos nós) e entrelinha-se a “baptizar” as avelhas com nomes da sua lavra, as quais acorriam dócil e obedientemente aos seus chamamentos.
Numa das suas idas á serra, daquela vez acompanhada da sua irmã, viu “uma senhora toda brilhante” sobre um penedo, no Ribeiral, “finando boquiaberta, sem saber o que era” e, quando a irmã desata a correr atrás dela. Manifestando a nossa estranheza por ela não reconhecer Nossa Senhora, inquirimos se nunca tinha visto uma imagem e a Maria Celeste Ferreira, explica-nos que, naquele tempo, ma Igreja as crianças eram obrigadas a fixar o sacrário do altar-mor e se olhassem para os lados, o que permitiria verem a imagem de Nossa Senhora, sujeitava-se a apanhar um bofetão. Lembrámo-nos do relato de Lúcia e da pergunta “Vossemecê quem é?”
Naquela correria depararam com a senhora Raquel, uma velhinha das redondezas, a quem contaram que tinham visto um lobo e à sua pergunta, depois também repetida pela mãe, “como era o lobo?”, responde que era uma “senhora vestida de branco, com a cabeça pequenina, e um manto que a cobria toda, deixando-lhe ver só os dedos dos pés descalços”. Face ao silêncio, à falta de comentários, quer daquela mulher quer da sua própria mãe, a Maria Celeste diz-nos que sentia “uma grande tristeza, um aperto no peito, uma estranha ansiedade interior, um sentimento que não sei explicar”.
Seria o seu pai que, perante a sua descrição, lhe diria que alguém assim só poderia ser Nossa Senhora e, então quis correr novamente para a serra, no que foi demovida por aquele com a afirmação que Ela já lá não estava, já tinha voltado para o Céu.
Maria Celeste também nos conta que, no dia seguinte, nas cercanias da sua casa, viu um cão enorme e que, fase à sua exclamação “mãe, está ali o cão do senhor Abade” (o pároco possuía um possante mastim), seria esclarecida que se tratava de um lobo.
Com uma certa candura e ingenuidade interpreta o acontecimento como sendo uma revelação da própria Virgem Maria, que assim lhe teria querido mostrar o que era efectivamente um lobo e a diferença entre aquela e a visão que tivera na serra. Refere-nos igualmente como um pré-aviso da aparição que, uns dias antes de ter visto a Nossa Senhora do Ribeiral, tinha observado um fio de água a brotar pela primeira vez do chão, fonte que, segundo afirma, nunca mais secou desde então e cujas águas terão virtudes miraculosas.
Se o que nos relata aconteceu há cerca de cinquenta anos, porque só agora surgem estas devoções e peregrinações àquele lugar? – Interrogamos. Maria Celeste revela-nos que, há cerca de seis anos, Nossa Senhora lhe voltara a aparecer, no seu quarto, na sua própria casa, e lhe pediu que providenciasse a construção local de “uma igreja das mais pequenas”, insistindo que foram estas as palavras exactas. E diz-nos mais: “Tem havido muitas aparições, um pouco por todo o mundo, que não têm sido divulgadas, fazendo com que Maria Santíssima e o seu Divino Filho estejam muito ofendidos e, por isso, é que surgem as catástrofes e as guerras, do que a Jugoslávia é um exemplo”.
Uma afirmação, na nossa opinião, muito pouco condizente com o Jesus do Evangelho que pregou a misericórdia, o perdão e a salvação, mas que não nos surpreenderia, pois, sabemos continuar a subsistir no imaginário religioso do nosso povo a concepção de um Deus terrível e vingativo, um Javé justiceiro do Antigo testamento.
Raul Lopes: in jornal da terra
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